Acervo do Inpa reúne milhares de formigas e destaca espécies pré-históricas, em Manaus

Acervos biológicos mais antigos do Inpa possuem mais de 50 anos.

Uma sala com milhares de formigas pode parecer, para muita gente, um local amedrontador. Mas a coleção de formigas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) não é de todo assustadora. Aqueles animais que existem desde a época do dinossauros e que, muitas vezes, nos passam despercebidos, têm um local de pesquisa inteiramente dedicado a eles. O G1 mergulhou no mundo das 13 subfamílias – das 17 existentes no mundo – que estão guardadas na coleção do Inpa, e descobriu a grandeza de bichos que podem medir até milímetros de comprimento.

Os acervos biológicos mais antigos do Inpa possuem mais de 50 anos e foram, ao longo do tempo, colecionados por pesquisadores que trabalham com fauna e flora amazônica. Apesar de manter materiais coletados de todo o mundo, a coleção é fomentada com exemplares de diversos países.

Em Manaus, atualmente, são duas salas que comportam a grande coleção de formigas. São milhares de exemplares distribuídos entre as vias seca e úmida.

Coleção de via seca do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) é armazenada em armários móveis. — Foto: Indiara Bessa/G1 AM

Coleção de via seca do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) é armazenada em armários móveis. — Foto: Indiara Bessa/G1 AM

Na via seca, os animais são alfinetados e passam por um processo de secagem para que possam fazer parte desta coleção. Na via úmida, as formigas estão dispostas em álcool 70% e são, geralmente, animais de corpo mole, cujo tecido precisa ser conservado pelos pesquisadores para análise e extração de DNA.

A bióloga Itanna Fernandes é uma das pesquisadoras que cuida da coleção de formigas do Inpa. Desde 2009 até hoje, ela depositou nove mil formigas na coleção, durante suas pesquisas de mestrado e doutorado no instituto.

 Na coleção de via úmida, formigas são armazenadas em álcool 70% para ter tecido e material genético conservados. — Foto: Indiara Bessa/G1 AM

Na coleção de via úmida, formigas são armazenadas em álcool 70% para ter tecido e material genético conservados. — Foto: Indiara Bessa/G1 AM

Ao G1, ela falou sobre as curiosidades e os desafios de manter a coleção e também sobre as dificuldades de incentivo à pesquisa.

Há pelo menos 50 anos, a coleção é alimentada por pesquisadores não só da Amazônia, como do mundo inteiro. Segundo Fernandes, a coleção atualmente é composta de 90% de animais da Amazônia, mas também recebe material de outros lugares do Brasil e até de outros países.

Atualmente, a coleção é formada por material coletado em expedições científicas e trabalhos acadêmicos de alunos que têm suas pesquisas vinculadas ao Instituto que vão a campo, fazem a coleta, descrevem e publicam o material e, posteriormente, ele é adicionado à coleção. A grande maioria das expedições são financiadas com dinheiro público por meio de bolsas de pesquisa.

Espécies

Atualmente, a coleção de invertebrados do Inpa ainda está sendo calculada. Centenas de milhares de indivíduos compõem a coleção e nos últimos anos, mais de 50 mil formigas foram depositadas durante expedições realizadas pelos pesquisadores.

A mais rara é a espécie Martialis Heureka, descoberta em 2008 em uma área na Zona Norte de Manaus. Ela, provavelmente, deu origem a todas as outras formigas viventes no mundo, segundo a pesquisadora.

 Pequena Martialis Heureka é considerada uma das formigas mais basais do mundo e é datada de 100 milhões de anos atrás. — Foto: Indiara Bessa/G1 AM

Pequena Martialis Heureka é considerada uma das formigas mais basais do mundo e é datada de 100 milhões de anos atrás. — Foto: Indiara Bessa/G1 AM

“Algo que é extraordinário em relação a formigas é que é somente no estado do Amazonas que nós temos uma única subfamília de formiga registrada, que não é registrada em nenhuma outra parte do mundo, que é a subfamília Martinalinae. Ela foi descoberta durante uma coleta e foi capturado um único indivíduo, que é conhecido mundialmente como a formiga basal vivente, ou seja, ela muito provavelmente deu origem a todas as outras formigas. E só é encontrada aqui”, disse.

Na época, ela foi descrita baseada em um único indivíduo e, durante a visita de um pesquisador americano especialista em machos de formigas em 2015, foram encontrados uma série de outros 25 indivíduos dentro da coleção de via úmida do Inpa, o que torna o Instituto o maior detentor da espécie em todo o mundo.

 Arte — Foto: Arte/G1

Arte — Foto: Arte/G1

A datação da Martialis é de, pelo menos, 100 milhões de anos, segundo Fernandes.

“Quando a gente fala de uma formiga que dá origem a outras, levando em consideração a evolução, uma espécie pode se tornar mais espécies a partir que o tempo comece a passar. Então, levando em consideração os dados genéticos dela, que ela foi avaliada geneticamente, e a morfologia dela, que é a aparência dela estética, nós chegamos à conclusão que era uma das formigas mais basais existentes”, disse.

Pelo menos 700 espécies de formigas estão catalogadas no acervo do Inpa, entre elas a Paraponera Clavata, conhecida como Tucandeira. Utilizada no ritual de iniciação masculino dos Sateré-Mawé, a formiga teve sua ferroada classificada como uma das mais dolorosas do mundo.

 Paraponera Clavata, também conhecida como Tucandeira, tem uma das ferroadas mais doloridas do mundo e é usada em ritual indígena no AM — Foto: Indiara Bessa/G1 AM

Paraponera Clavata, também conhecida como Tucandeira, tem uma das ferroadas mais doloridas do mundo e é usada em ritual indígena no AM — Foto: Indiara Bessa/G1 AM

A maior formiga do mundo também está na coleção do Instituto. A Dinoponera gigantea traz no nome a sua característica principal. Ela pode medir, em média, 2,5cm e é carnívora. Apesar da ferroada não doer tanto quanto de uma Tucandeira, o veneno dela pode ser fatal quando injetado nas presas, que podem ser pequenos insetos e até lagartos.

 Espécie Dinoponera Gigantea é considerada a maior formiga do mundo e também está presente na coleção do INPA. — Foto: Indiara Bessa/G1 AM

Espécie Dinoponera Gigantea é considerada a maior formiga do mundo e também está presente na coleção do INPA. — Foto: Indiara Bessa/G1 AM

Impactos ambientais

Recentemente, uma equipe do Inpa foi convidada a participar de uma consultoria para verificar impactos ambientais em algumas áreas. Foram sete anos de pesquisa na área da Usina Hidrelétrica do Rio Madeira, em Porto Velho, Rondônia. Durante o período, foi realizado o monitoramento ambiental durante o início e o fim do enchimento do reservatório.

“Nós ficamos avaliando num período de sete anos, nos mesmos locais, para poder avaliar o impacto. E, a princípio, nós fizemos pré-coletas e nós já tínhamos, mais ou menos, as ideias de quais indivíduos íamos encontrar na área. Após e durante o enchimento nós percebemos uma dinâmica populacional em relação à migração de umas formigas mais para o interior da mata, fugindo da elevação da água que estava na beira do rio”, disse.

Segundo a pesquisadora, durante os sete anos, a equipe pode ter uma ideia de como é a dinâmica da população com relação aos impactos diretos e esse tipo de observação nunca foi feita por nenhum grupo em todo o mundo. Foram coletadas, ao todo, 58 mil formigas durante este período.

“Alguns desses indivíduos não vão ser mais encontrados lá com o decorrer do tempo, então aqui dentro do instituto a gente tem o registro de que esses animais existiram e eles estiveram lá, então isso é extremamente importante para documentar a história”, disse a pesquisadora.

Importância histórica

A formiga, com suas organizações de trabalho e suas composições morfológicas, são extremamente importantes para o meio ambiente. Como qualquer animal, tem uma função estratégica na fauna do mundo. Mantê-las é necessário e estudá-las é preciso, segundo a especialista.

A desvalorização da pesquisa e as constantes preocupações com o meio ambiente são os principais desafios para manter de pé o lar de milhares de animais pequenos em tamanho, e gigantes na história.

“Existe uma preocupação muito grande em relação à liberação de verbas para manter o instituto e manter as coleções biológicas, e ter uma coleção como essa, como a do Inpa, com uma quantidade imensa de exemplares é de extrema importância para a nossa fauna e para que outras pessoas no presente – e principalmente no futuro – possam saber que esse material existiu e que esses indivíduos existiram”, ressaltou Fernandes.

Fonte: G1 Amazonas